Caro
leitor, este post é um pouco diferente dos que você está acostumado a ler no
blog. Nele não discutiremos lesões ou reabilitação no esporte, não abordaremos
temas de nutrição esportiva, não discutiremos fisiologia do exercício. Apesar
disso, talvez este seja o texto que melhor representa a medicina do esporte
entre todos que publicamos até hoje em nosso blog.
O
objetivo deste post é chamar a atenção para a necessidade para uma medicina que
entenda o paciente como uma pessoa, não como um coração, um joelho ou qualquer
outro pedaço de alguma coisa. Uma pessoa é a complexidade de corpo, mente,
espírito, estilo de vida, ações, pensamentos, angústias, relacionamentos... Realmente
impossível compreendermos esse todo, mas devemos tentar chegar o mais próximo
possível. Acredito que seja esta a melhor forma de ajudarmos nossos pacientes,
as pessoas que nos procuram em momentos de dificuldade.
Certamente
é muito mais fácil apelar para o Cartesianismo, dividir e especializar. Muitas
vezes os resultados imediatos podem ser substancialmente mais satisfatórios
quando fechamos os olhos para o todo. Uma infiltração com corticoesteróides em
um tendão doente o fará ser o melhor médico do mundo para o paciente que teve a
dor “tirada com a mão”. Já uma recuperação bem planejada que objetive recuperar
a estrutura lesionada e corrigir fatores desencadeantes (aqui vale lembrar:
corpo, mente, espírito), pode demorar certo tempo para trazer resultados - isso
se você conseguir que seu paciente entenda e se comprometa com o plano de
trabalho. Além disso, mesmo com o comprometimento total ao tratamento, os
resultados não são tão previsíveis quanto os da infiltração com corticoide ou
do uso prolongado de anti-inflamatórios.
Mas então, por que insistir nesta
abordagem? Ela é demorada, trabalhosa e certamente menos custo-efetiva (em
termos de dinheiro, remuneração por hora de trabalho).
Devemos insistir por acreditar
estar fazendo o melhor para nossos pacientes.
Algumas
vezes, de fato, avaliações e tratamentos específicos são muito bem-vindas. Uma
avaliação com cirurgião de pé e tornozelo me parece muito bem indicada no caso
de uma instabilidade crônica de tornozelo que não responde a uma boa reabilitação.
A própria infiltração com corticoesteródes pode ter seu espaço em casos
selecionados. Esta, entretanto, não deve ser a principal forma de prover saúde,
mas sim ser usada para problemas pontuais.
Exceto para o caso de você ser o médico da família Addams, é importante que entenda seu paciente como um todo.
Acredito
que para desenvolvermos uma medicina que contemple o ser humano como um todo tenhamos
que voltar a nossas raízes, reaprender com o médico de tempos remotos, o médico
da família. Vejo alguns esboços deste retorno à busca do todo na medicina e
fico feliz de que a medicina do esporte, na última década, seja um grande
exemplo desta busca. Conheço muitos colegas que mantém esta visão apesar dos conselhos
dos mais experientes (e bem sucedidos) colegas sobre a necessidade de se subespecializar.
Ao invés disto buscamos ampliar mais a visão, nos relacionando e trocando
experiências com colegas de outras especialidades, educadores físicos, fisioterapeutas,
psicólogos, nutricionistas. Continuamos nadando contra a correnteza.
Fábula dos homens cegos e o elefante. Nenhum deles realmente percebe o animal.
Para finalizar, deixo este link
do Departamento de Medicina de Família da Universidade de Wisconsin:
É a página de Medicina
Integrativa. Sim, algo com muito espaço para picaretagem (mas não acontece o mesmo
na medicina do esporte, com todos estes prescritores de anabolizantes usando o
nome de nossa especialidade?), mas com muitas pessoas sérias também.
4 comentários:
Excelente pos Gustavo. Parabéns pela iniciativa em tocar nesse assunto muitas vezes negligenciado. Abraços, Marconi Gomes BH/MG
"Exceto para o caso de você ser o médico da família Addams"
kkkkkkkkkkk
Muito bom!!!
Gustavão, parabéns pelo blog! Com certeza é o melhor de medicina esportiva no Brasil. Fico muito feliz em poder ler artigos tão bem escritos, relevantes, embasados cientificamente e muito bem ilustrados.
Concordo plenamente com a relação que fez entre a Medicina de Família com a Medicina do Exercício e Esporte!
Grande abraço.
Fabrício Naves
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