terça-feira, outubro 25, 2011

Boa noite amigos do Sports Medicine Brasil! Para o post desta semana convidamos Gustavo Nakaoka, um colega que vem deixando importantes contribuições nos comentários que faz no blog. Seguem as palavras de nosso amigo:



LCA: Operar ou não?


A cirurgia do ligamento cruzado anterior (LCA) é, nos dias de hoje, uma das mais estudadas na ortopedia, mesmo assim ainda é muito difícil identificar quais indivíduos são candidatos (ou não) para a ligamentoplastia.

A lesão do LCA apresenta efeitos potencialmente deletérios no que diz respeito à função muscular, cinemática, estabilidade articular e propriocepção do joelho.

A abordagem terapêutica desta lesão pode ser feita de duas maneiras: conservadora e cirúrgica. Contudo, ainda não há consenso na literatura sobre qual tratamento possibilita um melhor resultado funcional.

Antigamente os trabalhos apontavam resultados ruins no tratamento conservador, reforçando a preferência pela intervenção cirúrgica. Com isso, ainda hoje a grande maioria dos médicos indica a reconstrução do LCA principalmente para pacientes que desejam praticar atividades físicas em alto nível, isso porque a taxa de indivíduos operados que retornam ao esporte é alta e também crê-se que esportes com gestos como saltos, movimentos de pivô e mudanças súbitas de direção inevitavelmente resultariam em instabilidade articular em um joelho deficiente do LCA.

Sendo assim, o objetivo primário da ligamentoplastia é promover estabilidade articular e retorno seguro do paciente ao nível de atividade desejada, contudo, poucos estudos mostram que a reconstrução do LCA efetivamente reestabelece a estabilidade dinâmica do joelho, ou mesmo permite retorno total às atividades praticadas antes da ruptura, na maioria dos indivíduos.

Pessoas com deficiência nesse ligamento que apresentam instabilidade articular dinâmica e incapacidade de retornar às suas atividades prévias à lesão são denominadas “noncopers”. Porém, alguns aparentemente são capazes de estabilizar seus joelhos dinamicamente mesmo em esportes que demandem gestos como o pivoteamento, tais indivíduos são denominados “copers”, uma vez que conseguem retornar às suas atividades pré-lesão sem episódios de falseio e, sendo assim, não necessitariam passar pelo procedimento cirúrgico. Ainda há uma terceira categoria, na qual encontra-se a maioria das pessoas com deficiência do LCA, a dos “adapters”. Nela se encaixam indivíduos com lassidão acima de 3mm (se comparada ao membro contralateral) durante o exame inicial e são aptos a evitar episódios de instabilidade ao mudarem hábitos e níveis de atividade.

Pesquisas mostram que, com o devido trabalho de fortalecimento e treino sensório-motor, pessoas com ruptura do LCA apresentam bom prognóstico a curto e médio prazo, entretanto tais indivíduos tendem a diminuir seus níveis de atividade após a lesão. Também existem trabalhos apontando que de 19 – 82% das pessoas que passaram pelo tratamento conservador da lesão do LCA conseguem retornar à prática esportiva no nível pré-lesão e que de 8 a 82% dos que realizam a ligamentoplastia e tratamento pós-operatório retornam no mesmo nível.

Atualmente, diversos grupos de pesquisa fazem acompanhamentos constantes em indivíduos elegíveis ou não para o tratamento conservador que, após separados nos grupos “copers”, “noncopers” e “potencial copers” (indivíduos que podem, com o devido treinamento retornar às atividades sem necessidade de cirurgia), são submetidos ao tratamento adequado. Tais grupos, após follow ups que chegam a 15 anos, sugerem que um nível satisfatório de atividade pode ser alcançado com alterações das atividades de vida diária e reabilitação neuromuscular adequada, diminuindo assim a necessidade da ligamentoplastia; além de um grupo mostrar uma tendência de “potencial copers”, após tratamento conservador, obterem sucesso no retorno às atividades esportivas sem apresentar episódios de instabilidade ou diminuição funcional em 72% dos casos.

Sendo assim, ainda não existe consenso em como identificar indivíduos elegíveis ou não para o tratamento conservador ou ligamentoplastia o que diminuiria consideravelmente as consequências deletérias de um tratamento mal indicado.


Gustavo B. Nakaoka

Fisioterapeuta

Especialista em Fisioterapia Musculoesquelética pela ISCM-SP

Especializando em Fisiologia do Exercício e Biomecânica do Aparelho Locomotor pelo IOT - HC FMUSP


Referências:


  1. Kaplan Y. Identifying individuals with an anterior cruciate ligament-deficient knee as copers and noncopers: a narrative literature review. J Orthop Sports Phys Ther. 2011 Oct;41(10):758-66.


  1. Snyder-Mackler L, Risberg MA. Who needs ACL surgery? An open question. J Orthop Sports Phys Ther. 2011 Oct;41(10):707-7.

4 comentários:

Anônimo disse...

Indico o artigo "Prospective trial of a treatment algorithm for the management of the ACL injured knee".
Apresenta a escala SURF de risco cirúrgico, é muito interessante.

Anônimo disse...

A mudança de paradigmas é constante na medicina. Acredito que o enfoque no controle neuromuscular deva conquistar espaços cada vez maiores na reabilitação de lesões do LCA, independente do tipo de tratamento.
Abraços.

Leonardo Hirao disse...

Com certeza a reabilitação tem evoluído muito, alem disso nem todas as pessoas desejam realizar um procedimento cirúrgico. Acredito que principalmente os atletas amadores devem ser considerados para o tratamento conservador.

Gustavo Nakaoka disse...

De fato, hoje há cada vez mais espaço para o tratamento conservador nas lesões esportivas, porém, antes de indica-lo o departamento médico, de modo interdisciplinar, deve fazer uma avaliação muito criteriosa pois a má indicação do tratamento conservador pode trazer conseqüências altamente deletérias para qualquer articulação. Talvez, no que diz respeito ao LCA, o que ainda falte seja isso, um guideline para orientar tanto os médicos, como fisioterapeutas e educadores físicos.
Além disso, caso seja escolhido o tratamento sem a intervenção cirúrgica, o paciente deve estar ciente de que existe a possibilidade de este tratamento, como qualquer outro, falhar e haver a necessidade de ser realizado o tratamento cirúrgico.

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